Sobre o projeto

Uma pedra é lançada em um remanso, rompendo a tranquilidade do espelho do céu.

O gesto provoca uma turbulência na água, inscrevendo nela círculos concêntricos que vão lentamente se multiplicando e se desfazendo. Em poucos segundos, o que era perturbação volta a ser o que era antes. Mas volta mesmo?

O projeto Outra Margem é disparado pelo entorno da Casa Tutti, no Centro de Vitória, e leva em consideração sua paisagem circundante, seu contexto histórico e sociocultural, para se expandir para outras partes da cidade. Durante o período de residência, entre um formato on-line e off-line, e muitas reuniões, nos propusemos, em plena pandemia, a perturbar margens e criar outros centros. Cada artista traz para a discussão sua visão de cidade, permitindo que renovemos o olhar sobre nossos caminhos cotidianos, a redescoberta de percursos e a descoberta de estórias.

Trabalhando em assuntos que gravitam ao redor dos processos de evolução urbana, como migrações, gentrificação e a criação e extinção de profissões, com a consequente substituição de manufaturas pela fabricação industrial, o projeto ambicionou criar um espaço livre de investigação: não acadêmico e colaborativo, baseado em processos práticos de elaboração de pensamento.

Entendendo a residência como ambiente imersivo, os artistas participam e constroem uma investigação situada, isto é, vivenciam ativamente a experiência de residir, trabalhando e experimentando no/o contexto que pesquisam.

É assim que as artistas Joana Quiroga (ES), Kika Carvalho (ES), Luana Vitra (MG) e Tetê Rocha (ES/SP), além do artista Natan Dias (ES), colaboram para a criação de alternativas à ideia simbólica de “centro”. Joana se (re)aproxima de Seu Pedro; Kika estabelece uma parceria de trabalho com Peu Walcher; Luana vem descobrir as histórias de Vitória junto com o pescador Sonhador Portela e o artista Rafael Segatto; Tetê chama o amigo e artista Vitor Monteiro para estabelecer uma troca entre processos criativos; e Natan convida sua avó, Joana Dias, como forma de resgate oral de sua participação na formação do bairro Bonfim.

Materializam suas investigações nesta publicação, em textos, ações, objetos e instalações em que afirmam o sujeito no centro da discussão. Esse documento, um fragmento de um todo, é um desenho coletivo que fizemos a muitas mãos.

Apostando na construção de conhecimento múltipla e transversal, que deve vir tanto de contextos mais ou menos formais, vivenciamos uma programação intensa de visitas na cidade. São locais que, entendemos, são fonte de informações e experiências importantes para compreender as discussões que mencionamos anteriormente. Ao mesmo tempo, com suporte das arquitetas urbanistas convidadas, trocamos experiências e olhares sobre políticas públicas e o desenho da cidade.

Quisemos, com isso, debater as várias possibilidades de estar à margem, tanto do ponto de vista democrático, no que diz respeito à participação efetiva de determinados grupos sociais na cidade, quanto do ponto de vista geográfico, ao fazer emergir saberes, histórias e pessoas, em contextos fora do centro urbano mais estabelecido.

Tendo em vista o cenário de contingências que nos impõe a pandemia do Covid-19, a residência aconteceu em um ambiente de cuidado e atenção com o outro, nos tempos e condições possíveis que esse novo mundo nos tem apresentado. Outra Margem nos mostrou a importância de jogar pedrinhas na água; sair do centro para dar a volta à ilha, afetar sempre que possível o que parece que está dado; que a história é feita de narrativas com muitas vozes, e a memória é construída a cada dia.

Clara Sampaio

Cômodo da Casa Tutti, onde se vê três portas que leva a diferentes ambientes, o teto é alto. Não há forro, portanto é possível visualizar o telhado. No ambiente ainda encontra-se uma escrivaninha, uma mapoteca, livros e um cavalete com uma pintura.

Sobre a casa

Outra Margem teve como ponto de partida a Casa Tutti, localizada na Cidade Alta, região central de Vitória, ES. Levando em consideração sua interessante inserção no tecido urbano, na antiga Ladeira da Boa Idéia, sua interação com o Porto de Vitória e proximidade aos principais equipamentos culturais estaduais e municipais, a casa foi um ponto de morada, encontro e trabalho do grupo de artistas e colaboradores.

A Casa Tutti é um casarão histórico de estilo Art Déco do século XX, preservada por Kyria Oliveira. É um espaço multifuncional que abriga o ateliê da artista, um lugar para residências e uma área expositiva. O projeto e ocupação da casa nascem do desejo da partilha e do fomento da criação, produção e reflexão da Arte Contemporânea de forma colaborativa. Desde 2014, o espaço vem recebendo projetos e artistas tanto nacionais quanto internacionais.

Ficha técnica

Realização
Kyria Oliveira — Casa Tutti

Coordenação geral e curadoria
Clara Sampaio

Produção executiva
Mirella Schena

Assistente de produção e redes sociais
Bárbara Carnielli

Artistas Residentes
Joana Quiroga
Kika Carvalho
Luana Vitra
Natan Dias
Tete Rocha

Convidados
Joana Dias
Pedro José do Nascimento Rocha
Peterson Moura Rio Branco Walcher
Rafael Segatto Barboza da Silva
Sonhador Portela
Victor Monteiro

Professoras Convidadas
Angela Gomes
Clara Luiza Miranda
Martha Machado Campos

Revisão
Tiago Zanoli



Projeto realizado com recursos da Lei Aldir Blanc via edital de Artes Integradas 2020 (Secult-ES).

Agradecimentos

a Luana, Kika, Tetê, Joana e Natan, nosso agradecimento pelo carinho, diálogo e projeto que criamos juntos, tão longe e tão perto. É um privilégio poder conviver com pessoas como vocês;

a Sonhador Portela, Rafael Segatto, Peu Walcher, Vitor Monteiro, Pedro Nascimento Rocha e Joana Dias, pela generosidade de embarcarem nessa aventura com a gente e nos auxiliarem na construção de outras margens possíveis;

às convidadas e arquitetas Angela Gomes, Clara Miranda e Martha Machado, por compartilharem seus conhecimentos aprofundados sobre memória, paisagem urbana e construção do Centro Histórico de Vitória;

a Berenice Nascimento, presidenta da Associação das Paneleiras de Goiabeiras, a Tiago de Matos Alves, historiador do Arquivo Público Estadual, e à artista Cida Ramaldes, por nos receberem em seus espaços de trabalho com toda atenção.